quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Corações Vazios, Mãos Fechadas: A Raiz Oculta da Insatisfação (L11)


Ganância, avareza, incômodo com o uso dos próprios recursos por outros, esconder comida, excesso de controle sobre bens e gastos — têm explicações profundas na psicanálise. Vamos analisar esses traços segundo diferentes perspectivas psicanalíticas, especialmente as freudianas e pós-freudianas:

1. Freud e a Fase Anal: A origem da avareza

Na teoria psicossexual de Sigmund Freud, a avareza está ligada à fase anal do desenvolvimento infantil (entre 1 e 3 anos), quando a criança está aprendendo a controlar os esfíncteres e lida com as primeiras experiências de autonomia e retenção.

Fixação na fase anal-retentiva: Quando há excesso de rigidez dos pais no controle da higiene (punições, exigências, críticas), a criança pode desenvolver um padrão anal-retentivo.

Isso se manifesta na vida adulta como:

Avareza (retenção de bens, dinheiro, comida)

Controle excessivo

Ordem rígida

Dificuldade em compartilhar

Medo de perder ou ser invadido

Esses indivíduos têm prazer inconsciente em reter — seja dinheiro, alimentos ou até emoções.

Esconder comida, por exemplo, pode simbolizar medo da escassez, desejo inconsciente de controle ou até de punição do outro (“não merece minha comida”).

2. Ganância como defesa contra o vazio interno

Na psicanálise relacional e na psicologia do self (como em Heinz Kohut), a ganância pode ser vista como uma defesa contra um sentimento profundo de vazio interior, baixa autoestima ou falta de estrutura emocional sólida.

A pessoa acumula bens, alimentos ou dinheiro como substitutos inconscientes para suprir:

Falta de afeto

Sensação de insegurança

Ausência de amor ou reconhecimento

Assim, o "ter" compensa o "não ser".

Por isso, incomoda tanto ver os outros usando ou gastando o que é "dela". No fundo, ela sente que está perdendo a si mesma, não apenas um objeto.

3. Trauma, escassez e insegurança primária

Muitos comportamentos avarentos ou gananciosos têm origem em experiências precoces de escassez ou negligência.

Crianças que passaram por:

Fome

Falta de cuidado

Abandono emocional

Desenvolvem crenças inconscientes como:

“Nada é garantido.”

“Se eu não guardar, vou ficar sem.”

“Não posso confiar que os outros vão cuidar de mim.”

Resultado: dificuldade em compartilhar, medo de dividir e sensação de ameaça quando os outros usufruem do que é seu.

4. Avareza como resistência ao prazer (princípio do prazer vs. princípio da realidade)

Freud também propõe que o ser humano vive tensionado entre o princípio do prazer (desejo de satisfação imediata) e o princípio da realidade (necessidade de controle e adiar gratificações).

O avarento reprime o prazer como forma de manter controle e evitar ansiedade.

Gastar, dar ou dividir pode ativar o superego severo (voz interior crítica), gerando culpa.

Reflexão integradora: Avareza na alma e na espiritualidade

Mesmo fora da psicanálise, a avareza é descrita como uma forma de idolatria nas Escrituras:

“Porque o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males...” (1 Timóteo 6:10)

“Guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui.” (Lucas 12:15)

A pessoa avarenta não confia. Nem no outro, nem em Deus. Seu mundo interior está baseado no medo, não na confiança. Por isso, retém. Mas onde há confiança, há generosidade.

O que pode estar por trás da avareza?

Uma leitura psicanalítica dos comportamentos que revelam ganância, controle e retenção

1. Esconder comida

Esse comportamento, embora pareça pequeno ou até cômico em algumas situações, pode revelar traumas antigos relacionados à escassez. Pessoas que passaram por períodos de privação — seja material ou emocional — podem desenvolver um padrão de retenção, como uma forma de garantir segurança.

Na psicanálise, isso também se associa à fixação na fase anal-retentiva (descrita por Freud), onde o prazer está em guardar, reter, controlar. Esconder comida, então, se torna um gesto inconsciente de defesa: "se eu dividir, posso ficar sem". Em alguns casos, há até um prazer oculto em possuir algo que o outro não tem acesso.

2. Incomodar-se com o uso de seus bens por outras pessoas

Esse incômodo constante diante do uso ou do desgaste dos próprios objetos, espaços ou recursos revela um forte desejo de controle e preservação da identidade.

Na raiz disso pode estar uma identidade emocional frágil, que se apoia excessivamente no que possui para se sentir segura. O uso de suas coisas por outras pessoas pode ser interpretado, inconscientemente, como uma ameaça à própria integridade: "se tocam no que é meu, tocam no que eu sou".

É uma tentativa inconsciente de proteger o que ainda não foi plenamente estruturado internamente.

3. Ganância por vantagens e benefícios

A busca insaciável por vantagens — sejam elas materiais, sociais ou afetivas — geralmente é motivada por um vazio interior. Em vez de uma verdadeira satisfação, o indivíduo tenta preencher suas lacunas emocionais com acúmulo: de dinheiro, de oportunidades, de controle.

Na psicanálise contemporânea (como nas teorias do self), entende-se que essa é uma tentativa de reparar uma carência afetiva primária: a pessoa não se sente plenamente amada ou validada, então passa a usar conquistas externas como muletas internas. O problema? Nada é suficiente.

A ganância, nesse caso, é um grito silencioso: “me faltou amor, então vou buscar tudo que puder para provar que tenho valor”.

4. Dificuldade de compartilhar

Pessoas que têm extrema dificuldade em compartilhar — seja tempo, recursos ou atenção — costumam carregar dentro de si marcas profundas de insegurança e medo da perda.

Esse padrão de comportamento também pode estar ligado à fixação anal da infância, onde a criança aprendeu que dar é perigoso, que ceder é se expor.

A culpa inconsciente também pode entrar em cena: o sentimento de que, se eu der demais, posso ser punido depois, ou não terei mais para mim.

O impulso de reter é, muitas vezes, uma forma de se proteger de frustrações passadas ou da sensação de impotência diante da vida.

A avareza não é apenas um "defeito de caráter" — é um sintoma emocional e psíquico de algo mais profundo: insegurança, traumas não resolvidos, estruturas de defesa e até distorções no senso de identidade.

Quando compreendemos o que está por trás do comportamento, podemos lidar com ele com mais compaixão — mas também com mais responsabilidade.

E na perspectiva cristã, a cura começa na confiança:

"O Senhor é o meu pastor; nada me faltará." (Salmo 23:1)

A confiança na provisão de Deus e na própria identidade como filho(a) amado(a) cura a necessidade de reter, esconder e controlar. Porque quem se sente plenamente suprido não precisa acumular — pode compartilhar.

A união entre o Evangelho e a psicanálise pode ser profundamente transformadora, pois ambas abordam a condição humana — uma do ponto de vista espiritual e redentor, e a outra do ponto de vista emocional e inconsciente.

Enquanto o Evangelho oferece identidade, perdão, graça e restauração, a psicanálise oferece linguagem, compreensão e consciência das raízes internas do sofrimento. Quando trabalhadas juntas (com discernimento), elas não competem — se complementam.

A seguir, apresento as melhores formas de encontrar cura emocional, espiritual e relacional através dessa integração:

1. Nomear para transformar: a psicanálise oferece linguagem, o Evangelho, sentido

A psicanálise ajuda a identificar as causas ocultas do sofrimento: traumas, defesas inconscientes, repetições emocionais, feridas familiares. Ela dá nome ao que está escondido — e nomear é o primeiro passo da cura.

“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” (João 8:32)

Essa verdade não é apenas teológica — é existencial. A verdade sobre mim mesmo também liberta. Ao dar nome ao que sinto, à dor que carrego, posso então entregá-la a Cristo.

2. Reconhecer as raízes, perdoar com consciência

A psicanálise nos ajuda a entender de onde vêm certos comportamentos, medos ou repetições destrutivas. Mas só o Evangelho pode nos capacitar a perdoar, inclusive o que a razão humana diria que é imperdoável.

“Perdoai, e sereis perdoados.” (Lucas 6:37)

A cura emocional plena exige perdão — mas não um perdão superficial. É um perdão que reconhece a dor, que nomeia a ofensa, mas escolhe liberar o outro e a si mesmo.

Psicanálise: “isso aconteceu com você — e te feriu dessa forma.”

Evangelho: “mesmo com essa ferida, você é amado e pode perdoar.”

3. Reestruturar a identidade: do falso self ao novo homem

A psicanálise fala do “falso self” — uma identidade construída para agradar, esconder ou se defender. Muitas pessoas vivem assim: adaptadas, desconectadas de si mesmas, presas a máscaras.

O Evangelho propõe algo ainda mais radical: uma nova identidade em Cristo.

“E vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade.” (Efésios 4:24)

A psicanálise nos ajuda a desmontar a estrutura do falso eu. O Evangelho, então, nos oferece um novo Eu, firmado no amor do Pai. A reconstrução não é apenas interna — é espiritual.

4. Lidar com a culpa e o superego religioso

A psicanálise trata do superego — a voz crítica interna que cobra perfeição, castiga erros e sabota a liberdade. Muitas pessoas confundem essa voz com a voz de Deus. Acham que Deus está sempre desapontado, sempre exigindo mais.

O Evangelho oferece graça.

“Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus.” (Romanos 8:1)

A cura passa por diferenciar o superego acusador da voz do Espírito Santo, que corrige com amor e não com humilhação.

5. Substituir defesas por confiança

A psicanálise mostra nossas defesas: negação, racionalização, controle, fuga, projeção. Todas essas barreiras foram construídas para nos proteger da dor, mas hoje nos impedem de crescer.

O Evangelho nos chama a confiar.

“Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e o mais ele fará.” (Salmo 37:5)

A fé nos permite soltar o controle, porque sabemos que estamos seguros nas mãos de Deus. Não precisamos mais nos esconder atrás de mecanismos emocionais — podemos viver com liberdade.

6. Receber cuidado humano e intervenção divina

Muitas vezes, o processo de cura envolve falar, elaborar, ser ouvido. A psicanálise oferece esse espaço sagrado de escuta, onde o inconsciente se revela. Mas o Evangelho traz a presença de Deus nesse processo.

“Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados.”   (Tiago 5:16)

O falar que cura é tanto terapêutico quanto espiritual. Ambos têm seu lugar. Um terapeuta sério pode nos ajudar a reorganizar a alma; o Espírito Santo nos restaura de dentro para fora.

A avareza emocional ou material — como esconder comida, não gostar de dividir, buscar vantagem o tempo todo — pode estar profundamente conectada a baixa autoestima, ansiedade crônica e a essa incapacidade recorrente de concluir o que se começa. Vou explicar como esses pontos se relacionam, sob uma lente psicanalítica e espiritual:

1. Baixa autoestima: quando o valor próprio está comprometido

Uma pessoa com baixa autoestima frequentemente sente que não é suficiente por si só — então, tenta compensar por meio do controle, da posse ou do mérito externo. Ela se apega ao que tem porque não se sente segura sendo quem é.

Na prática, isso pode se manifestar como:

Medo de partilhar, porque "posso ficar sem"

Apego exagerado a objetos, dinheiro ou comida como fonte de segurança

Dificuldade em confiar que será cuidada ou amada sem “merecer”

"Se eu dou, fico sem. E se fico sem, ninguém vai me socorrer."

No Evangelho, Jesus restaura a identidade:

“Vocês valem mais do que muitos pardais” (Mateus 10:31)

2. Ansiedade: medo do futuro, da escassez e da perda

A ansiedade gera uma sensação de ameaça constante, mesmo quando tudo parece bem. O indivíduo ansioso tende a:

Guardar demais

Controlar excessivamente

Se irritar com desperdício ou com o uso de seus recursos

Essa ansiedade também se traduz em acúmulo (material ou emocional), o que pode parecer “ganância”, mas na verdade é medo de faltar. É como se tudo o que a pessoa faz fosse tentando garantir que não vai sofrer de novo.

A avareza pode ser um sintoma de hipervigilância emocional.

“Não vos inquieteis com o dia de amanhã…” (Mateus 6:34)

3. Incapacidade de terminar o que começa: sabotagem e medo de frustração

Isso também pode estar ligado à mesma raiz:

Baixa autoestima gera medo do fracasso: então a pessoa começa, mas abandona antes de concluir (para não lidar com a frustração ou com a exposição ao erro).

Ansiedade gera paralisia ou dispersão: o excesso de pensamentos e medos impede o foco e o progresso.

Avareza emocional gera dificuldade de entrega e confiança: por isso, a pessoa não se entrega totalmente a um processo.

Ou seja: a mesma alma que guarda demais para se proteger, também evita concluir o que começou para não se ferir.

Deus vos abençoe

Leonardo Lima Ribeiro

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